O Rock que virou tiozão e o Hip-Hop que virou contracultura.
Filho do Rhythm and Blues, do Jazz e do Country, o Rock’n’Roll nasceu na década de 40. O jornalista da Billboard, Maurie Orodenker, usou o termo na música pela primeira vez em 1942 para descrever ritmos animados e com um certo swing. Até então era um termo usado pelos marinheiros para descrever o movimento dos navios.
A década de 40 começou com o início do fim da Segunda Guerra Mundial, e com o fim da guerra, a vontade pelo excesso. Tal qual a efervescente década de 20, com suas festas à la Gatsby e o desejo pelos prazeres da vida, a década de 40 não foi diferente. Podemos figurar esse desejo pelo excesso também na moda. Em 1947, Cristian Dior criou o New Look, uma silhueta nova até então. O New Look consiste em uma terninho ajustado ao corpo bem acinturado e uma saia godê, com muito, muito, muito tecido. Dior queria dar início a uma nova era, a era onde o excesso seria o guia, se distanciando o máximo possível dos dias de escassez causados pela guerra.
O New Look de Cristian Dior prometia um futuro sem escassez e com muita abundância.
Com a economia cada vez melhor, e os jovens tendo pela primeira vez dinheiro próprio e uma certa independência dos seus pais, o conceito de juventude e adolescência foi criado.
James Dean liderou a estética juvenil com seus ideais e nova liberdade na década de 50.
A década de 50 é quando podemos começar a falar da estética adolescente. Querendo se distanciar o máximo possível dos jeitos e valores tradicionais dos seus pais, os jovens começam a ter identidade e voz própria. Passam a criar suas próprias peças de roupa, estilo de cabelo, e até a customizar os próprios carros. Agora só faltava ter a própria música, a própria trilha sonora. Ninguém queria ouvir o que os pais estavam ouvindo, eles precisavam de algo novo para chamar de seu. E nada melhor para embalar essa revolta e revolução do que o Rhythm and Blues. Gênero que por si só já continha uma rebeldia pelas suas origens vindas das comunidades negras americanas.
Em um país de segregação racial, jovens brancos ouvindo Rhythm and Blues era um ato de rebeldia contra a sociedade da forma que ela existia.
Alan Freed foi quem disseminou o Rock n Roll para os jovens brancos. Um disk-joquey que usou o termo pela primeira vez em 1951 no seu programa de rádio. Em 1955 “Rock Around the Clock” foi a primeira música rotulada Rock and Roll a alcançar o número 1 dos best-sellers.
Chuck Berry, Little Richards, Bill Haley and His Comets, Fats Domino, foram alguns dos nomes que alavancaram o gênero a níveis internacionais. Até que Elvis Presley entra em cena, se apropriando do gênero e lançando suas próprias gravações, tomou os Estados Unidos e o mundo.
E com ele veio a segunda leva do Rock.
Os Beatles e Rolling Stones lideraram a juventude do início dos anos 60. Mas aqui o termo adolescente e jovem já tinha se estabelecido. Com o mesmo intuito de quebrar os valores tradicionais daquela sociedade, os Beatles revolucionaram a música. Depois vieram os Rolling Stones, os famosos bad boys, botaram mais fogo no parquinho, e desde então muitas outras bandas surgiram e seguiram o mesmo caminho.
Mick Jagger no filme “The Rolling Stones Rock and Roll Circus” em 1968.
Não tô aqui pra contar a história do rock. Mas para mostrar que o rock, desde seu início é sobre quebrar padrões, tradições e criar o novo. Sempre foi sobre liberdade, expressão e descoberta. Sempre foi sobre juventude. Sobre rebeldia. Sobre destruição do velho para dar lugar ao novo.
Porque então virou gênero de tiozão tradicional?
Desde os anos 90 o rock parou. Não vimos mais bandas de rock nos charts e no mainstream com a energia de antigamente com músicas que embalam a rebeldia, questionam a sociedade, falam de amor livremente, inovando nos sons e quebrando padrões.
Mas vemos cada vez mais artistas do Hip-Hop fazendo isso.
Se o Rock’n’Roll veio com os jovens se apropriando de um gênero para se distanciarem o máximo possível dos valores tradicionais de seus pais, faz sentido então os jovens de hoje em dia se distanciarem do rock e irem contra a correnteza em busca de um gênero para chamar deles.
Juventude é sobre ruptura. É sobre transgressão. E o rock parou de fazer isso a muito tempo. O que abriu espaço para outros artistas gritarem para serem ouvidos.
Rapper A$ap Rocky em photoshoot para seu álbum LIVE.LOVE.A$AP
Vejo hoje o mesmo movimento do passado acontecendo. Os jovens se apropriando da música negra para chamar de sua. Artistas correndo atrás e usando essa onda para se alavancar na onda do sucesso.
Não tem discussão que o Hip-Hop hoje é a contracultura. É o gênero que questiona, que quebra barreiras, que conversa com as angústias, medos, e apreensões dos jovens. O Hip-Hop hoje é o gênero da revolução.
O hate e o preconceito que o gênero sofre hoje, é o mesmo que o Rock’n’Roll sofreu no século passado. O que só aumenta o seu poder e apelo para a nova geração.
Se o rock morreu, é porque a sociedade o matou, e a sociedade somos nós. Deixou de ser revolucionário e se tornou cafona. Parou de inovar. Deixou de questionar. Quem escuta, ficou tão obsessivo com o passado, que parou de olhar pro futuro.
Bandas jovens que tentam manter o gênero vivo são duramente criticadas na internet por tiozões que estão parados no tempo. Não conseguem ver que o mundo mudou, os questionamentos mudaram, as gerações mudaram, assim como o próprio gênero.
Os Beatles, David Bowie, Guns N Roses, Nirvana, são bandas de décadas diferentes, que questionam assuntos diferentes, mas usaram do gênero para criar suas próprias vertentes e fazer ser ouvido.
O Rock deixou de ser revolucionário porque as pessoas só querem ouvir muito do mesmo. Se o próprio Paul McCartney não consegue fugir dos tiozão do rock e suas criticas sem embasamento, quem dirá novas bandas.
Banda Italiana Måneskin, uma das poucas que chegou no mainstream.
O Rock nunca mais vai ter a cara dos anos 60 ou 70 ou 80 porque esse tempo passou. É durou ouvir, eu sei, mas passou. Se não abrirmos espaço para a juventude de hoje criar sua própria vertente do rock, o gênero vai realmente morrer.
Afinal a maior e melhor faceta do rock é justamente essa de se reinventar. O não-conformismo é o oxigênio do gênero. É o que o faz ter vida e ser interessante.
Não digo que não existam bandas hoje que não toquem Rock’n’Roll, tem sim, e muitas. Mas qual foi a última vez que vimos uma banda de rock no top 10 da Billboard? Ou ganhando melhor álbum no Grammy?
A maioria dos artistas hoje em dia são artistas solos.
Será que nossa sociedade está tão individualista que nem bandas os jovens estão criando mais?
Mas aí acho que isso é um assunto para outra hora.